STF rejeita ideia de Forças Armadas como poder moderador; votação unânime dos ministros
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as Forças Armadas não são um poder moderador e, dessa forma, não podem fazer intervenção nos demais poderes da República. O entendimento foi unânime, ou seja, nenhum dos 11 ministros se manifestou favoravelmente à ideia de que, se necessário, os militares poderiam mediar conflitos entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
O julgamento ocorreu no plenário virtual e foi finalizado nesta segunda-feira (8). O relator do caso foi o ministro Luiz Fux. Veja abaixo trechos dos votos dos ministros que se manifestaram pelo sistema da Suprema Corte.
Em seu parecer, Fux afirmou que a Constituição não encoraja a ruptura democrática, nem autoriza que o presidente recorra às Forças Armadas contra os outros dois Poderes, bem como não concede aos militares a atribuição de moderar eventuais conflitos entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
“Qualquer instituição que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenção declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espírito da Constituição”, afirmou Fux.
“É premente constranger interpretações perigosas, que permitam a deturpação do texto constitucional e de seus pilares e ameacem o Estado Democrático de Direito, sob pena de incorrer em constitucionalismo abusivo”, acrescentou.
Ao concordar com o relator do caso, Dias Toffoli classificou a tese como "aberração jurídica". “Para além de se tratar de verdadeira aberração jurídica, tal pensamento sequer encontra apoio e respaldo das próprias Forças Armadas, que sabiamente têm a compreensão de que os abusos e os erros cometidos no passado trouxeram a elas um alto custo em sua história”, escreveu.
Ele, que foi o último a votar, ainda acrescentou que concorda com o voto de Flávio Diino de que a decisão unânime da Corte deve ser amplamente divulgada em todas as escolas e academias militares, seus respectivos cursos, inclusive nos colégios militares, “de tal sorte que pensamentos de retorno a um passado de usurpação e de abusos não aconteçam nunca mais”.
Na visão de Flávio Dino, inexiste um "poder moderador". O ministro citou trecho de um parecer técnico de 2020 da Câmara dos Deputados que diz: "Não existe país democrático do mundo em que o Direito tenha deixado às Forças Armadas a função de mediar conflitos entre os Poderes Constitucionais ou de dar a última palavra sobre o significado do texto constitucional."
"Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um “poder militar”. O PODER é apenas civil, constituído por TRÊS ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna", escreveu Dino.
"Dúvida não paira de que devem ser eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal, fixado de modo imperativo e inequívoco por este Supremo Tribunal", completou.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia disse que sua posição visa “afastar qualquer interpretação que confira às Forças Armadas a condição de poder constitucional, menos ainda o de inexistente poder moderador da República brasileira”.
“A ideia de que o Estado democrático de Direito, instituído pela Constituição da República de 1988, pudesse ter os poderes constitucionais tutelado por poder militar, armado e não eleito não se compadece com os termos nem com os objetivos postos no sistema fundamental”, escreveu em seu voto inserido no sistema do STF.
“Não se compõe com esse sistema um superpoder, além e acima dos demais, e que para esse específico desempenho superpoderoso careceria de legitimidade democrática”, completou.
O ministro Gilmar Mendes citou pontuação feita por Dino e manifestou sobre a tese: "Também eu vejo com alguma perplexidade que esta Suprema Corte esteja obrigada a, na atual quadra histórica, ter de afastar certas pretensões que seriam consideradas esdrúxulas na vasta maioria das democracias constitucionais do planeta".
"Diante de tudo o que temos observado nesses últimos anos, todavia, faz-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal para reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não admite soluções de força", completou.
Ele frisou que, desde 2013, "tem se observado um paulatino processo de reintrodução do protagonismo político das altas cúpulas militares, em nítida reedição de práticas cuja incompatibilidade com a Constituição hoje nós podemos perceber com inequívoca clareza. Todo esse processo se deu, a meu ver, na esteira de uma exacerbada expansão do papel das Forças Armadas nas ações de 'Garantia da Lei e da Ordem' (GLOs)".
"A sociedade brasileira nada tem a ganhar com a politização dos quartéis e tampouco a Constituição de 1988 o admite", observou.
Zanin relatou que "a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 assim previa o 'Poder Moderador', como um dos quatro Poderes constituídos", mas "a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 remete claramente a existência de apenas três Poderes", que são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
"Assim, o 'Poder Moderador' não mais existe. [...] Portanto, não há espaço para interpretação do texto constitucional que outorgue às Forças Armadas a titularidade do 'Poder Moderador'", alegou, acrescentando que: "as Forças Armadas são instituições permanentes de Estado e não podem agir contra a Constituição ou contra os Poderes constituídos", mesmo desempenhando função "função da mais alta relevância".
"Revela-se totalmente descabido cogitar-se que as Forças Armadas teriam ascendência sobre os demais Poderes, uma vez que estão subordinadas ao Chefe do Poder Executivo e devem atuar em defesa dos Poderes constitucionais - afastando-se de qualquer iniciativa de índole autoritária ou incompatível com a Lei Maior", completou Zanin.
O ministro Alexandre de Moraes declarou que o debate no julgamento "é essencial para a reafirmação dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito". Em seu voto, ele discorreu sobre a teoria de separação dos Poderes.
"Exatamente em virtude da necessidade de garantir o Estado Democrático de Direito por meio da divisão das funções estatais em poderes civis, NUNCA NA HISTÓRIA DOS PAÍSES DEMOCRÁTICOS, houve a previsão das Forças Armadas como um dos Poderes de Estado, ou mais grave ainda – como se pretendeu em pífia, absurda e antidemocrática “interpretação golpista” – NUNCA HOUVE A PREVISÃO DAS FORÇAS ARMADAS COMO PODER MODERADOR, ACIMA DOS DEMAIS PODERES DE ESTADO", escreveu.
Moraes acrescentou: "Nos Estados Democráticos de Direito, jamais, houve dúvidas sobre A SUPREMACIA DA AUTORIDADE CIVIL SOBRE A AUTORIDADE MILITAR, nem mesmo nos momentos excepcionais do “Sistema Constitucional das crises”, em respeito à divisão de poderes entre os ramos Executivo, Legislativo e Judiciário."